Como profissional da área de educação e saúde mental, com frequência me deparo com artigos e estudos que falam sobre a relevância do brincar livre no desenvolvimento cognitivo e emocional da criança. Este tema é relativamente recente, visto que apenas no século XVIII a criança deixou de ser “um adulto em miniatura” e passou a ter mais importância na família. E somente no século passado o desenvolvimento infantil se tornou alvo de tantos teóricos da mente, como na psicanálise freudiana e na educação, com Piaget, Vygotsky, Montessori e tantos outros.
Todos estes pensadores falam da importância da brincadeira para o desenvolvimento cognitivo, ao estimular o raciocínio, a criatividade, a imaginação e a atenção. E também o desenvolvimento social, já que para poder brincar com os outros é necessário repartir e, mesmo na brincadeira solitária, a interação dos brinquedos é sempre presente.
Quando a criança brinca, ela reproduz o seu mundo e eventos de sua vida. Uma criança que gostou da experiência de roda na escola, colocará seus ursinhos em roda para cantar; uma que foi maltratada, reproduzirá a agressão com algum boneco. Observar a brincadeira das crianças é um caminho excelente para compreender seus sentimentos, medos, alegrias e desejos. Elas reproduzem tudo.
Como experiência pessoal, tenho o histórico de consultas, internações, exames e sessões de quimioterapia da minha filha, a Luna. Aos 4 anos ela começou a mancar, se recusando a esticar a perna por dor na cabeça do fêmur. Fez sua primeira visita ao hospital e desde então perdemos a conta. Dada a raridade de sua doença, muitos exames e diferentes médicos de múltiplas especialidades não bastaram para o diagnóstico. Nove meses após a primeira queixa de
dor, após 15 dias de internação para incontáveis exames, visitas de médicos e biópsia, saiu o diagnóstico: Histiocitose das células de Langerhans. E o tratamento: quimioterapia.
Imediatamente, suas brincadeiras mudaram: as princesas passam por consultas médicas, os ursinhos são internados, as Barbies fazem quimioterapia e as bonecas quebram pernas e braços. E ela cuida de todos como ninguém! Remedinho na hora certa, cadeiras acolchoadas e carinho na parte que dói.
E por falar em dor, dói muito mais nos adultos do que na criança. Com a atenção que precisa e a possibilidade de elaborar todas aquela experiências e emoções na brincadeira, ela nunca se queixou da doença. Os tumores desapareceram com o primeiro tratamento e voltaram depois de quase dois anos.Voltou, também, a rotina de consultas, exames, remédios e cuidados extras - sem piscina e agora, na pandemia, isolamento total. As bonecas voltaram àquela rotina, também, com seringas, termômetros e esparadrapos.
Ao reproduzir, elaborar, vivenciar quantas vezes forem necessário cada medo, ansiedade e também as experiência de acolhimento e sentimento de segurança, não resta mais nada que ser feliz.
Deixemos nossos filhos brincarem. Sem telas e com brinquedos. Sem regras e com paixão.
Ana Schmid
Neuroeducadora, Psicopedagoga, Terapeuta, PNL, Professora de Inglês, Espanhol e Artes e mãe da Luna e do João
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